terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Sabão.


As cenas do que ocorrera pela manhã ainda passeavam lentamente pela sua cabeça. Tão lentas quanto as nuvens brancas como algodão doce, e que iam formando desenhos no céu azul celeste, e que agora ela observava pela janela.
Lembrando minunciosamente do ocorrido, pôde enfim ater-se a detalhes que há algumas horas passaram despercebidos. Como quanto definiram-a com um adjetivo que ela jamais ouvira. Nem tampouco conhecia o seu significado. Entretanto, ela que sabia tudo, só não sabia voar.
Procurou então por um antigo livreto vermelho - já empoeirado na prateleira - ao qual costumasse recorrer quando não se tem o domínio léxico necessário para compreender uma ofensa, ou tão logo vestir uma carapuça.
Por certo que já haviam adjetivado-a antes de inúmeras maneiras. Umas simpáticas, outras nem tanto. Algumas até dificéis de proferir, daquelas cuja tamanha complexidade despertam por si só certa execração.
Anacrônica. Escalafobética. Efêmera. Libertina. Subjacente. Pueril... Vez em quando até se perguntava se não seria mesmo uma prosopopéia, que dava ímpeto a uma moçinha feita daquela argila molenga e gordurosa, que não serve nem mesmo pra virar tigela. Mas covarde?
Folheou vagorosamente as páginas amareladas - enquanto sua mente vagava em meio a devaneios e amenidades - como se quisesse adiar a descoberta numa mistureba descomedida de ansiedade e desespero. Finalmente, encontrara - entre um substantivo masculino e um feminino - o significado do que há pouco procurava:

Covarde.: adj. 1. Medroso; sem coragem. 2. Poltrão. 3. Desleal; traiçoeiro.

A noite já havia caído quando caíra em si. Caída em frente a um reflexo inanimado - por trás de um espelho estilhaçado - que a olhou mas não sorriu. E ao qual ela berrou quebrando o silêncio:

- E você, também é demasiado covarde para ser intenso?

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