terça-feira, 5 de outubro de 2010

Crônica urbana.



Aquele homem sentado na calçada não era pedindo moedas não se encerrava em si. Para ela, era
muito mais do que um homem sentado numa calçada de uma metrópole ao fim de mais uma tarde de terça-feira. Não era apenas um homem que estava ali, era um homem só. Um homem só pedindo esmolas na entrada de um prédio. E em um prédio naturalmente existem pessoas que entram, saem e sobretudo moram ou vão fazer visitas... Ninguém visitava aquele homem.
Ficou observando-o. Quantas histórias não tivera pra contar? Por quantos caminhos não teria
trilhado? Havia tido amores, horrores, temores, dissabores? Quem lhe faria um elogio ou uma
gentileza? Quem o faria companhia? Quem perguntaria sobre o seu dia? Alguém lhe desejaria um
bom dia ou uma boa noite? Quem lhe estenderia a mão? Quem lhe daria um abraço ou um afago?
Quem o desejaria um feliz aniversário? Quem o faria sorrir? Quem secaria suas lágrimas quando a tristeza chegar? E ela algum dia iria embora? Quem o secaria da chuva ou lhe aqueceria num dia frio? Onde ele dormiria hoje? Quem colocaria o cobertor sobre os seus pés? E no meio da
noite, quem lhe espantaria o medo? Quem lhe contaria histórias sobre mundos distantes com
castelos e princesas? Quem lhe daria o direito de sonhar?
Seus olhos ficaram úmidos e caminharam em direção aquele homem de cabelos e barbas grandes, roupa e sacolas imundas à tiracolo. Coração aos tropeços. Estendeu a mão como num gesto mecânico e saiu antes que uma gota fujona percorresse pelo rosto, antes mesmo de ouvir o trincar das moedas na lata vazia... Não tinha o direito, não na frente daquele homem cujos olhos tão doces e tão cansados vissem, rissem com os poucos dentes que lhe restara. Entrou depressa num ônibus antes que fosse tarde para o jantar.
A cena chamou atenção do homem amarelo do outro lado da calçada que observava tudo atento.
Para ele era apenas uma garota dando esmolas a mais um pobre diabo como tantos por aí e
isso lhe deixou emocionado por alguns instantes até distrair-se com a crônica urbana da próxima
esquina. Afinal, acontece o tempo inteiro. Alguém aí se importa?

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